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Simpósio discute pós-abolição e cultura quilombola em São Pedro da Aldeia

Evento, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura, reuniu gestores, pesquisadores, lideranças comunitárias, artistas e moradores do Quilombo da Caveira

A Escola Municipal Quilombola Dona Rosa Geralda da Silveira, em São Pedro da Aldeia, foi o cenário para a realização do primeiro simpósio promovido pela Secretaria Municipal de Cultura. O evento teve como objetivo analisar e discutir as consequências e desafios enfrentados pela população negra após a abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888. A programação contou com a participação de gestoras das Secretarias Municipais de Educação e de Assistência Social, pesquisadores, especialistas, acadêmicos, lideranças comunitárias, artistas e moradores da comunidade remanescente do Quilombo da Caveira, do bairro Botafogo.

A abertura do evento contou com a participação da diretora da unidade, professora Joyce Ribeiro, do Procurador da República (PRRJ-SPA) do Ministério Público Federal, dr. Leandro Mitidieri Figueiredo, e do secretário municipal de Cultura, Thiago Marques. “Promover esse momento de debates, junto com representantes de vários segmentos da sociedade civil, é importantíssimo e muito significativo, especialmente neste local, a Escola Quilombola. Agradeço à Escola e à Secretaria de Educação por terem abraçado essa proposta. Estamos aqui para ouvir, mas também para colaborar e para pensarmos juntos o futuro que a gente deseja e o papel de cada um de nós no combate ao racismo”, destacou o secretário.

A apresentação do esquete “A Casa feita de cacos”, da Companhia de Teatro Municipal, foi o destaque da abertura. A encenação, dirigida por Anna Fernanda Corrêa, apresenta a trajetória do artista aldeense Gabriel Joaquim dos Santos, um homem negro, semialfabetizado, trabalhador do roçado e das Salinas, filho de uma índia e de um ex-escravizado. A dramaturgia documental aborda o legado de Gabriel, que entrou para a história ao criar uma obra-prima de interesse universal, a Casa da Flor – um testemunho de seu talento, força e obstinação em transcender a dura realidade de sua vida.

Com debates moderados pela assessora técnica de políticas culturais da Secretaria Municipal de Cultura, Cleise Campos, a mesa diretiva contou com a participação da artesã, produtora cultural e conselheira de Cultura, Marlúcia Soares; da coordenadora de Promoção da Igualdade Racial da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SASDH), Fernanda Costa; das professoras Juliana Pacheco e Silvia Rohen, da Coordenação de Educação Quilombola e Antirracista da Secretaria Municipal de Educação; da assessora técnica da Secretaria Municipal de Cultura, Josephane Lima; da pedagoga, pesquisadora e doutora em Educação, Gessiane Nazario, autora do livro “Revolta do Cachimbo — a luta pela terra no Quilombo da Caveira”, e dos moradores da comunidade remanescente do Quilombo da Caveira, João dos Santos e Roberto Santos, que também atua como conselheiro municipal de Cultura e líder comunitário, além do jovem estudante Fabrício Coelho, integrante da Companhia de Teatro Municipal.

Durante a programação, os convidados da mesa compartilharam com o público suas vivências, pesquisas e percepções sobre seus enfrentamentos e atravessamentos raciais, o estigma da invisibilidade, o racismo, os saberes ancestrais e as religiões de matriz africana, dentre outros temas. “Falar de cultura preta, das tradições do povo negro e de suas contribuições para a sociedade brasileira, na música, na dança, na capoeira e em muitos outros segmentos, é sempre uma oportunidade importante de quebrarmos preconceitos, combatermos a desinformação e valorizarmos nossas raízes”, destacou a coordenadora de Promoção da Igualdade Racial da SASDH, Fernanda Costa.

A importância da preservação da cultura e da educação escolar quilombola foi outro tópico em destaque. “A Escola Municipal Quilombola Dona Rosa Geralda da Silveira por si só tem um simbolismo enorme, estamos pisando em território quilombola. Então, é muito importante discutir essa luta no pós-abolição, que durante muito tempo foi desqualificada, e dar visibilidade para pessoas que durante muito tempo falaram, mas não foram ouvidas”, salientou a professora Juliana Pacheco. “Falar sobre esse tema é valorizar essa comunidade, romper com a invisibilidade do povo negro, que não aparecia nos livros didáticos ou na grande mídia, e disseminar esses saberes em busca de uma educação emancipatória”, complementou Silvia Rohen.

Símbolo de luta e de resistência do povo negro contra a opressão do sistema colonialista, o Quilombo da Caveira do bairro Botafogo, que se formou no período pós-abolição, teve sua história contada nas palavras dos próprios membros remanescentes, como João dos Santos, de 85 anos. “Para mim é uma honra estar aqui representando aqueles que ainda resistem e aqueles que vieram antes de nós, nossos antecessores, que lutaram por Botafogo. Sou nascido e criado aqui na Fazenda da Caveira desde 1939. Na nossa época, as dificuldades eram muito grandes, minha família vivia totalmente da lavoura e para estudar nós tínhamos que viajar 12 quilômetros a pé, porque não tinha condução. Por isso, quando estive presidente da Associação dos Moradores, acompanhei e lutei pela construção dessa Escola Quilombola, que era um sonho nosso, e hoje fico muito feliz de poder contar um pouco dessa trajetória de vida e de luta para essa nova geração. Eu sempre digo para as crianças que elas têm que aproveitar a oportunidade de estudar, porque na nossa época nós não tivemos e os poucos de nós que tiveram, não tiveram a chance de continuar por dificuldades financeiras”, destacou.

Nascido e criado na comunidade, João dos Santos é um dos guardiões da memória do povo quilombola da Caveira
Foto:
Renan Freitas/Divulgação PMSPA

Para o estudante Fabrício Coelho, de 17 anos, o evento foi uma maneira de evidenciar a história de formação de seu bairro e de manter viva a memória das lutas de seus antepassados. “Hoje tenho orgulho de dizer que nasci e fui criado em Botafogo. Precisamos ocupar os espaços de fala para que essa história não se apague e conscientizar as pessoas sobre a nossa potência, a potência da cultura quilombola, das nossas origens e dos nossos traços”, comentou o jovem, que brilhou na interpretação de Gabriel Joaquim dos Santos na encenação de “A Casa feita de cacos”.

A programação contou, ainda, com um café tarde preparado com produtos da agricultura familiar e uma exposição de artefatos e utensílios domésticos antigos, trazida pelo morador Inácio dos Santos, que ajudam a contar a história do modo de vida das gerações passadas e das antigas práticas, que moldaram a economia local.

Como um dos resultados do evento, será elaborado um artigo envolvendo os participantes. O artigo, escrito pelas várias mãos, será apresentado em encontros acadêmicos, educacionais e culturais com registros das vivências, relatos e reflexões do Simpósio na Escola Quilombola.

O evento contou com a presença de servidores da Secretaria Municipal de Cultura, artistas, agentes culturais, educadores e estudantes da rede pública.

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