O barulho do motor do barco ecoa pela Lagoa de Araruama, assim como o som do conhecimento antigo. Na Aldeia de Pedro, o amor pela pescaria continua sendo transmitido por gerações. De mãe, para filha, para neta. Mães. No plural, como são. Pluralidade de costumes, cores e crenças, mas com ideais comuns. Em muitos pontos, a história da cidade se funde às de milhares de mães que fizeram e fazem a diferença nesta terra, a exemplo das que mantêm viva a tradição pesqueira. Na série de reportagens, Mães da Aldeia, conheça também a história de mulheres que dividem o amor pelos frutos da terra com os filhos e que os ensinam a superar limites.
Nascida e criada na Praia da Baleia, Irani Sampaio Costa começou a pescar com cerca de 13 anos de idade, assim que teve forças para remar e arrastar a canoa de madeira utilizada pelo pai, na qual a mãe também embarcava em busca do sustento. Hoje, com 36 anos, anseia que a filha de sete meses, chamada Emanuelly, nutra o mesmo amor pelo ofício, que chama de legado. É sabedoria que se ensina e se aprende, mas que também acontece, simplesmente. Irani relata as dificuldades que enfrentou na profissão por ser mulher e o quanto sua mãe a incentivou para que seguisse em frente.
A força feminina, como a da própria natureza, foi estimulada em Irani pela matriarca da família, que deu à luz a três mulheres e quatro homens. “Tenho muito amor por ser pescadora. Mas, na minha história, eu quase desisti da pesca. Resolvi trabalhar de carteira assinada por um tempo porque, por eu ser mulher e na área da pesca serem muitos homens, enfrentei preconceito. Minha mãe já morreu, foi uma guerreira. Ela me deu muita força e dizia pra eu não esquentar a cabeça com o que os outros falavam. Sempre me incentivou”, relembra com afeto das fases de incerteza quanto ao caminho que trilharia.
A pescadora se empenha desde a gestação para transmitir a estima pelo ofício à Emanuelly, mas a pequena já dá sinais de que o encantamento pelos barcos e pelas redes será natural, fato que Irani conta com muito orgulho. Afinal de contas, cabe às novas gerações perpetuar a tradição familiar. “Grávida, mesmo com a barriga grande, eu ia pra lagoa com meus irmãos. Sei que o bebê escuta e ia mesmo para que ouvisse o barulho do barco, sentisse dentro de mim. Arrastei camarão durante a gestação, coloquei rede de espera. Agora já ponho Emanuelly na lagoa e ela já faz festa. Por mim, vou ensinar o ofício pois é um legado de família. Mesmo que minha filha não siga esse caminho, porque pretendo que estude, também quero que ela fale com amor da pesca. Já vem no sangue, vejo no olhinho quando coloco ela no barco”.
“Grávida, eu ia pra lagoa com meus irmãos. Sei que o bebê escuta e ia mesmo para que ouvisse o barulho do barco, sentisse dentro de mim. Agora já ponho Emanuelly na lagoa e ela já faz festa”.
Apesar de romantizada e objeto-tema para muitas poesias, a atividade pesqueira impõe uma rotina árdua aos que nela trabalham. Assim como canta Milton Nascimento nos versos da música Eu Pescador, “canoa e coração deixam pra trás a terra, o cais. Partem buscando vendavais”, Irani recorda um pouco dos medos e desafios enfrentados, que comprovam a fibra das mulheres que se dedicam em manter a tradição. “É sol, chuva e vento que a gente pega dentro da lagoa. Você olha de fora e ela parece paradinha, mas lá pode ser tenebroso. É raio caindo próximo ao barco, passamos medo. Nesses momentos já pensei em não voltar mais, mas a gente volta. Não consegue ficar longe”, conta.
Irani precisou reduzir a frequência com que entra na lagoa para se dedicar à filha, mas o período noturno, quando a bebê dorme, tem sido a saída para não se distanciar totalmente de uma das coisas que mais ama fazer: pescar! Obviamente, depois do papel de ser mãe. Na vida da pescadora, a plena felicidade e a rotina na lagoa estão interligadas por um cordão umbilical que não se corta.