A cidade com mais de 100 mil habitantes e 404 anos, mas que ainda mantém o nome de Aldeia, traz em sua memória as lendas e histórias dos personagens ilustres do município. No Dia do Historiador, celebrado nesta quinta-feira (19), conheça alguns mitos e curiosidades da cidade de Pedro. Nesta data, a prefeitura homenageia uma figura de grande relevância para a conservação e divulgação da memória aldeense, o pesquisador Geraldo Luiz Ferreira.
Orgulhoso dos artefatos e documentos históricos que reuniu ao longo dos anos, o memorialista folheia os livros centenários com a familiaridade de um antigo amigo. Para Geraldo, o trecho do livro “Bicentenário da Restauração da Companhia de Jesus 1814-2014”, que diz que a memória e a identidade estão ligadas por profundos laços, representa a importância de preservar a história do município. “Quem esquece seu passado não sabe quem é”, cita em tradução livre.
Lendas aldeenses
A Lenda da Mãe do Ouro
Este mito passa de geração em geração desde quando os índios habitavam a aldeia. Segundo os relatos dos antigos moradores, nas noites muito escuras, aparecia uma luz forte que surgia no alto da Serra da Sapiatiba e clareava o céu. “Em seguida, esta intensa luz, no formato de uma grande bola de fogo, se deslocava no espaço em direção à Lagoa de Araruama, deixava com a sua luz, as águas das suas margens tingidas de dourado e, misteriosamente, da mesma forma inesperada como surgia, desaparecia”, conta Geraldo. Ele destaca que o nome “Mãe do Ouro” deriva, provavelmente, do fato de que a intensa luz amarelada sobre as águas da lagoa “dava à luz a um mar de ouro”, diz.
Lenda do canhão
Um dos símbolos mais conhecidos do município, o Canhão da Praça Dr. Plínio de Assis Tavares, é uma peça de artilharia do tipo “meio canhão”, feita de ferro por volta do século XVI. Tinha o objetivo de informar a aproximação de esquadras inimigas. Segundo conta o memorialista Geraldo Ferreira, sua localização original era na Praia do Sudoeste, em local hoje conhecido como Ponta da Peça.
É com um carinho especial que o pesquisador narra a lenda:
“Reza a tradição, e há quem jure sobre a sua infalibilidade, que o visitante ou forasteiro que participar de uma reunião no canhão, ou nele se sentar, ficará impregnado por um espírito mágico de identidade com a gente, com a terra e com a cultura aldeenses que fará com que aqui permaneça, ou com que aqui algum dia retorne para reviver momentos de felicidade, de alegria e de encantamento”.
Geraldo afirma que já teve a felicidade de registrar o mito realizando-se com amigos do nordeste, que reuniram-se em torno do canhão e devido à realização de um projeto retornaram à cidade anos depois.
Lenda do Poço
O poço de São Pedro da Aldeia foi construído na primeira metade do século XIX e foi uma importante fonte de abastecimento de água até meados do século XX. O mito anuncia consequências similares à do canhão da praça. Diz a lenda que quem da água do Poço de São Pedro beber, permanecerá ou terá vínculos eternos com a cidade. Sobre a narrativa popular, Geraldo brinca que quando jovens, Maria do Rosário, hoje sua esposa, costumava brincar que daria a água do Poço de São Pedro para que ele se estabelecesse no município. O sentimento falou mais forte e, mesmo sem beber a água do poço, o casal vive em uma das ruas mais tradicionais do Centro da cidade. A casa mantém vivo o sentimento de pertencimento, com parte do calçamento “pé de moleque” original.
A trajetória de quem ajuda a contar a história aldeense
Geraldo Luiz Ferreira não é filho da cidade, mas se familiarizou com as peculiaridades da Aldeia por meio das histórias passadas de geração a geração por seu avô, tio-avô e seu pai. Nasceu no Rio de Janeiro, quando as viagens a São Pedro da Aldeia eram uma aventura, especialmente com crianças pequenas. Com a vinda da Estrada de Ferro, em 1937, que ligava Niterói a São Pedro, as viagens, ainda que custosas e longas, tornaram-se uma realidade.
E foi com o percurso de mais de sete horas de duração que Geraldo iniciou o contato com a cidade natal de seu pai. “Cheguei, conheci minha família, banhei-me na lagoa, comi camaroada, carapeba e carapicu, adotei os amigos dos meus primos, senti correr nas minhas veias o sangue dos meus antepassados e naturalizei-me aldeense”.
‘[…] banhei-me na lagoa, comi camaroada, senti correr nas minhas veias o sangue dos meus antepassados e naturalizei-me aldeense’
Geraldo Luiz Ferreira
Constituiu família com a moça que morava na casa vizinha à de seu avô, a Maria do Rosário Pinheiro Lobo Ferreira. O interesse pela cidade levou o jovem Geraldo a pesquisar e colecionar livros, histórias, documentos e objetos de inestimável valor para o estudo da história aldeense.
O pesquisador e memorialista da cultura, tradição e história aldeense, Geraldo Ferreira cita o filósofo Immanuel Kant quando fala sobre sua contribuição a estudiosos: “Nós não vemos as coisas como elas são, nós as vemos como nós somos”.