Mãe dedicada da Emanuelle, do Samuel e do Lucas, e avó orgulhosa do Juliam, que acabou de chegar ao mundo, aldeense de coração, Kátia Maria Marques de Souza, enfrentou todos os desafios para proporcionar a vida mais completa possível aos filhos. Mulher determinada, não podia ouvir que algo era impossível de ser feito que logo dizia: “Não pode é? Vamos ver”. Depois de ter criado dois filhos, optou por acolher um bebê que precisava de um lar e de alguém como ela, que o ensinaria a desafiar o improvável. Na série de reportagens, Mães da Aldeia, conheça também a história de mulheres que dividem o amor pelos frutos da terra e pela pesca com os filhos.
Dona de alegria contagiante, Kátia nasceu em Salvador, mas se mudou para o Rio de Janeiro ao se casar. Veio para São Pedro da Aldeia acompanhando a família e ao ver a Lagoa de Araruama se encantou pela cidade. Naquele momento, já tinha tomado sua decisão: não iria mais embora.
“Moro aqui em São Pedro da Aldeia há mais de 30 anos, meus filhos mais velhos conseguiram aqui a liberdade que nunca teriam sonhado em curtir na capital, como brincar na rua e na lagoa. Não conhecia ninguém aqui, mas foi paixão à primeira vista pela cidade. Achei a lagoa a coisa mais linda do mundo, fiquei encantada e pensei: nunca vou embora daqui. E não fui mesmo. Dizem que quem toca no canhão da praça não vai embora, eu toquei”, brincou.
“Meus filhos mais velhos conseguiram aqui a liberdade que nunca teriam sonhado em curtir na capital”
“Foi paixão à primeira vista pela cidade. Pensei: nunca vou embora daqui. Dizem que quem toca no canhão da praça não vai embora, eu toquei!”
Os filhos cresceram e suas carreiras os levaram para outras cidades, mas a distância é contornada com muitas chamadas de vídeo. A mais velha, Emanuelle, de 33 anos, é chefe de UTI neonatal, mora no Rio de Janeiro e acaba de conhecer de perto a maternidade com o Juliam, que nasceu neste mês de abril. O Samuel, de 28 anos, seguiu a tradição local e foi para Roraima pela Aeronáutica. O Lucas, de 11 anos, chegou um pouco depois na história da família, para transformar a vida desta mãe. “Daí em diante, a minha história se confunde com a do Lucas”, conta.
“A minha história se confunde com a do Lucas“.
O começo de uma nova história
Kátia relata que na medicina não existem muitos relatos de sobrevivência de uma criança como o Lucas, devido a extrema prematuridade. Foi encontrado com aproximadamente quatro meses de vida, com nove meses foi transferido para um abrigo ao receber alta do hospital e precisava de uma família. “O juiz chamou família por família do cadastro de adoção, mas Deus me direcionou, tinha que ser eu. Fiquei sabendo da história dele pelas notícias no jornal, fui visitar e conheci o Lucas”, lembrou.
Ela perguntou à assistente social como fazer para adotar, já que não estava no cadastro de adoção, a resposta foi que não poderia. “Na hora pensei, não pode é? Vamos ver. Eu sou assim: se acho que alguma coisa tem solução, vou buscá-la. Então entrei com um pedido de guarda específica para adotar o Lucas. O processo que demoraria meses, teve aprovação do juiz em uma semana”.
“Se acho que alguma coisa tem solução, vou buscá-la”
Desafiando o impossível
Por indicação da irmã, lá de Salvador, Kátia encontrou, no Rio de Janeiro, a Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação do Governo Federal. O centro é referência em tratamentos neurológicos e recebe pacientes de todo estado. Lucas é portador da Síndrome do X frágil, que é hereditária e pode causar deficiência intelectual de leve a grave.
“Não sabia nem por onde começar, precisava de um direcionamento. O tempo de espera seria de um ano, mas ao contar a história do Lucas, com menos de uma semana, ligaram para mim. Todos os médicos ficaram interessados no caso dele, em conhecê-lo. Quando chegamos lá, tinha uma equipe de médicos prontos para fazer os testes necessários para a aceitação no instituto. De 10 testes, ele precisava passar por pelo menos seis. O Lucas zerou todos os testes e isso nunca tinha acontecido, então a rede decidiu aceitá-lo”.
Kátia relata que não mediu esforços e, por quatro anos, contou com o auxílio de um amigo para ir três vezes por semana para o hospital na capital, chegando lá sempre às 7h. O menino também faz acompanhamento em Curitiba. “Com os tratamentos, ele hoje apenas não fala, mas se comunica muito bem, anda, se veste sozinho, faz de um tudo. Nunca deixei que ele se deixasse limitar às restrições que até os médicos davam a ele. Sempre falei, você vai ouvir a sua mãe e eu te digo que consegue fazer muitas coisas sim. Dessa forma, fomos levando e o Lucas tem uma evolução muito boa, superou todas as expectativas”.
Energia de sobra
A rotina dos dois é agitada. Antes do período de isolamento pela pandemia, Lucas ia todos os dias para a Escola Municipal Flonete Alexandrino, no bairro Poço Fundo, onde tem uma cuidadora específica para as atividades de aprendizado dele. Atualmente, ele recebe as atividades para fazer em casa.
Na escola, apesar de Lucas ter um currículo diferenciado, ele já criou vínculos e interage muito bem com as outras crianças. Após a aula, mãe e filho pegavam o ônibus e iam para a cidade vizinha Cabo Frio, onde contavam com assistência especializada da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae).
Segundo Kátia, os médicos relatavam que Lucas teria uma série de restrições que o menino superou. “Diziam que seria impossível para ele fazer muitas coisas comuns, que ele usaria fraldas toda vida, que não poderia usar chinelos, que se alimentaria por sondas e ele superou todas as expectativas e passou por cima das limitações. É uma criança ativa, ele não só anda, como foge, brinca, se veste sozinho. Um segundo para o Lucas é muito tempo, sabe aprontar muito”, brinca ela.
“Ele superou todas as expectativas e passou por cima das limitações”.
Foto: Bruninho Volotão/PMSPA